Samuel, o cultivador de estrelas
Era uma vez… há tantos, tantos anos que não haviam estrelas no céu, a
noite era escura como o breu… mas havia alguém que não se amedrontava com a
escuridão e caminhava sobre a terra com uma enorme sacola de sarapilheira,
largando umas pequenas estrelas sobre a terra.
Samuel, assim se chamava este homem, todas as noites, recolhia as
estrelas que insistiam em cair do céu, guardava-as na sua sacola e lançava as à
terra, tal como fazia com as sementes de trigo. Regava-as com muito carinho, e
todos os dias olhava para a terra ansioso, para ver se as estrelas cresciam …
Samuel achava que as estrelas
caíam do céu, porque eram muito pequeninas, precisavam do amparo da Mãe-Terra.
Só, que dia para dia Samuel desiludia-se, o trigo crescia viçoso, mas as
estrelas não desabrochavam.
Ainda questionou o ancião, lá da
aldeia, mas de imediato ele respondeu que de estrelas não percebia nem um pouco.
Aconselhou-o a falar com a grande feiticeira do Norte, pois de estrelas,
ninguém percebia tanto quanto ela.
Quando Samuel estava para partir,
a ancião sussurrou em jeito de aviso:
- Como a noite é escura e há por
aí uns diabretes endiabrados, abriga-te sempre da escuridão, caminha sempre com
a luz do sol no horizonte.
Samuel seguiu à risca o aviso do
sábio aldeão, mas mesmo assim, ainda apanhou uns enormes sustos, pois mal caia a noite, os diabretes andavam pela terra a pregar
sustos a quem se cruzava com eles. Não é que eles fossem muito assustadores
eram vermelhos gordos e barrigudos, mas surgiam em bandos e soltavam umas
risadas diabólicas, que até faziam tremer a barriga por dentro.
Após, quatro dias de caminho,
Samuel avistou um castelo encarrapitado num alto de um monte escarpado, e pela
descrição que tinha ouvido, teve quase a certeza que era ali que vivia a
feiticeira do Norte.
Pedregulho, a pedregulho, subiu
até ao castelo, à medida que este se tornava mais nítido, fazia lembrar um
daqueles castelos de areia, que nós fazemos em pequeninos beira- mar.
Assim, que ficou defronte do
castelo, uma enorme porta coberta de musgo e madeiras entrelaçadas, esperava-o
entreaberta. Samuel achou melhor bater à porta e esperar …que qualquer coisa
acontecesse. Do outro lado, uma voz cansada e trémula, disse:
- Ennnntraaa, Samuel, a porta está
aberta!
Uma mulher envelhecida pelo tempo
e com uns crespos cabelos brancos, recebeu-o com um olhar doce e sorridente:
- Já sei do teu excelente trabalho
e do carinho com que apanhas as estrelas caídas do céu e as cultivas
carinhosamente na terra fértil.
- Pois é minha feiticeira, mas
apesar do meu carinho e persistência as estrelas não crescem, nem vão para os
céus, e a noite continua escura como o breu.
- Sabes, Samuel, as estrelas são
feitas da mesma matéria e da mesma essência que nós, humanos!
- Verdade! Ora essa… é que eu
nunca tinha ouvido, então nós somos feitos de pó das estrelas?
- Sim, e agora pensa Samuel, o que
nós precisamos para crescer? Para seguir o nosso caminho?
O Samuel ficou aflito com a
pergunta, mas logo lhe vieram à memória imagens da sua infância, onde mãe o
acarinhava ao seu colo e lhe dizia as palavras mais ternas do mundo.
- Já sei!.. Feiticeira, já sei! as
estrelas precisam de carinho, afeto, e de ouvir palavras de amor.
- Eu sabia, Samuel, por isso te
escolhi a ti para seres o semeador de estrelas. Corre para a tua aldeia e
inicia o milagre do nascimento das estrelas.
Samuel despediu-se e percorreu o
seu caminho apressadamente, estava ansioso, para chegar a casa. Desta vez nem
os diabretes o assustaram e caminhou dia e noite.
Quando finalmente chegou à aldeia, apanhou as estrelas caídas,
acarinhou-as entre as suas mãos calejadas pelo trabalho, contou-lhes histórias
de encantar, beijou-as, disse-lhes palavras de amor, abraçou-as e esperou pelo
milagre…
Foi verdadeiramente maravilhoso e indescritível ver as estrelas a
desabrocharem da Mãe-Terra, subindo magicamente em anéis espiralados, como se
fossem estrelas bailarinas.
Nessa noite, e em todas as outras
que se seguiram, nunca mais o breu da noite se viu, e Samuel ia fazendo a sua
tarefa, até que as estrelas deixaram de cair do céu.
As estrelas sabiam agora, que os
Homens as admiravam… e que nunca as iam deixar de amar.
Afinal, somo todos, parte do
universo e feitos da mesma matéria.
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